Quando eu cursei o meu ensino fundamental e médio, estávamos na década de 1990. Muitos dos meu professores haviam sido educados num período em que a União Soviética ainda existia e, consequentemente, fui ensinado a enxegar os antigos países socialistas como segundo mundo, e o Brasil como parte do terceiro.
Já ao longo da década dos anos 2000, quando fui para a universidade e me graduei, após a estabilização monetária promovida por FHC, e quando o governo Lula investiu pesadamente em promoção social, o Brasil passou a ser visto como emergente. E foi assim que eu também passei a pensar a minha pátria.
Contudo, há dois anos sai do interior de São Paulo para ir morar na cidade do Rio de Janeiro, que, para mim, é a grande síntese do Brasil, mais do que qualquer outra cidade brasileira. No Rio, o sul e o norte do país se encontram, o nível de industrialização não é tão alto e a participação do Estado na vida social é considerável – o que ocorre em maior proporção quando se vai para o norte e em menor quando se vai para o sul.
Além de vivenciar o dia-a-dia da cidade maravilhosa (também grande símbolo do país para os que o vêem de fora), eu fui trabalhar em um centro de pesquisa e desenvolvimento de uma empresa multinacional do setor de óleo e gás.
Foi então que passei a refletir mais sobre como estava organizada a minha vida: eu podia morar relativamente bem, em um apartamento da Zona Sul carioca, mas ao mesmo tempo não era possível ignorar as favelas ao meu entorno – primeiro e terceiro mundo, lado a lado.
Eu podia fazer compras em um Pão de Açúcar, organizado, limpo, com bastante variedade de produtos, ou podia ir ao Mundial de Copacabana, bagunçado, muitas vezes sujo, embora com preços abaixo da média (cheguei a comprar produto vencido lá, o que só descobri quando já estava em casa) – primeiro e terceiro mundo, há poucas quadras de distância.
Eu podia ir de casa ao trabalho em um corolla quase zero (bancado pela empresa), com motorista de terno e gravata, ar-condicionado e banco de couro, ou então pegar um táxi com um motorista que corria sempre acima do limite do velocidade, recortando todos na pista, e quase batendo a cada esquina (de fato, por uma ocasião o táxi em que eu estava colidiu com outro automóvel, na famosa Linha Vermelha) – primeiro e terceiro mundo.
Teria vários outros exemplos para ilustrar isso que quero dizer, caro leitor, mas acho que já entende o meu ponto, não é mesmo?
Mas, acima de todos esses exemplos, havia o trabalho. No meu local de trabalho, em um prédio recém-construído, com arquitetura diferenciada e o “estado da arte” ao alcance dos olhos, eu falava inglês e tratava de igual para igual com outros centros similares em Houston ou na Noruega. Certamente, primeiro mundo. Quando a jornada se concluia, contudo, sempre às 4h da tarde por questões de segurança, eu voltava para casa passando em frente aos Complexos da Maré e do Alemão, vendo por quilômetros a fio cenas dignas da Áfria sub-saariana. Por certa ocasião presenciei bandidos trocando tiros de armamento pesado, um deles no meio da pista, ao passar próximo da comunidade do Cajú.
Foi então que se consolidou a minha explicação para o que vivemos no Brasil de hoje. Moderno em muitos sentidos. Desigual, atrasado e indiferente em muitos outros. Primeiro e terceiro mundo, lado a lado, ao mesmo tempo.