17.10.10

O mito do Norte e Nordeste como definidores das eleições presidenciais no Brasil

Há poucos dias recebi um email, numa lista de emails da qual participo, contendo mais uma vez uma mensagem com a qual já havia colidido outras vezes durante essa campanha presidencial, assim como nas anteriores também. É a ideia de que os estados do Norte e, principalmente, Nordeste seriam decisivos na hora de eleger o presidente do Brasil.

O email ia mais longe, pois “informava” que tais estados são deficitários em relação ao governo federal (recebem mais verbas do que entregam sob a forma de impostos) e que, portanto, concluia, “A gente paga e eles elegem o Presidente...”. É claro que o autor de tais linhas enxerga o país a partir de um referencial “sulista”.

Dentre outros argumentos que se poderia lançar mão ao replicar esse autor, de cujos claros sentimentos separatistas afasto-me radicalmente, sinto-me tocado a combater essa ideia de que os estados nordestinos são os que “elegem” o presidente.

Curioso observar como tal ideia permeia o nosso coletivo (digo mais pelo contexto dos estados do sul do país, onde vivi até hoje). Em primeiro lugar, defende-se que os estados do Norte e Nordeste são decisivos nas eleições presidenciais. Em segundo, usa-se a ideia implícita ou explícita de que em tais estados haveria toda sorte de corrupção e compra descarada de votos. A conclusão lógica é que seríamos todos nós do “sul” do país reféns de pleitos injustos.

Para mim, isso não passa de um mito. E por que penso assim? Veja a tabela abaixo, que tirei do Wikipedia:




Se você, leitor, concordar comigo em dois pontos: (a) que há uma relação direta entre o tamanho da população e o número de eleitores; e, (b) que as regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste podem ser consideradas as mais adiantadas em termos de desenvolvimento (se não concordar quanto ao caso do Centro-Oeste, posso argumentar melhor depois); então teremos que a parte mais "desenvolvida" do país continha, segundo o IBGE, em 2009, nada menos que 122.529.825 pessoas, ou 64% da população do país, ou, ainda, algo aproximado a 64% da quantidade total de eleitores.

Só isso já seria suficiente para desmitificar o fato de que Norte e Nordeste sejam decisivos numa eleição presidencial. Mas acrescente-se a isso duas coisas: (1) os estados do Norte e Nordeste não votam de forma homogênea (o Serra ganhou, agora no primeiro turno das eleições de 2010, nos estados de Roraima, Acre e Rondônia, apesar da suposta maioria petista generalizada, por conta dos programas sociais do governo, que são mais presentes no Norte/Nordeste); (2) os grandes centros urbanos do Norte e Nordeste não são menos dinâmicos e heterogêneos do que os grandes centros urbanos da região Sul/Sudeste/Centro-Oeste (por conta de suas classes médias e altas com virtualmente igual acesso a bens, serviços e informações), valendo notar que 15 das 35 regiões metropolitanas do Brasil localizam-se nas regiões Norte e Nordeste.

Ou seja, o resultado final que quero afirmar é que, ainda que haja compra descarada de votos em muitas regiões do interior do Norte e Nordeste, estatísticamente tais votos não poderiam ser decisivos numa eleição presidencial no Brasil (veja aqui e abaixo que a diferença entre o primeiro e segundo colocados nas últimas 3 eleições presidenciais foi de, pelo menos, 7% dos votos).








Talvez a própria imagem dos mapas com estados coloridos de azul e vermelho, como acima, sirvam de alimento para o mito dos estados do nordeste terem mais peso do que os das demais regiões, dada sua prevalência numérica. Mas o que esse tipo de mapa não mostra claramente é o tamanho da população que reside em cada um desses estados e, por conseguinte, o tamanho dos respectivos colégios eleitorais. E daí a confusão no imaginário popular de alguns "sulistas".

Portanto, em resumo, a ideia de que os estados do Norte e Nordeste são os que realmente decidem as eleições presidenciais no Brasil não passa de um mito.


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